segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Escritor é um cidadão comum

Na nossa sociedade do espetáculo, o escritor não tem mais a aura que o distinguia no passado, porque, entre outras razões, não está mais cercado por populações de analfabetos nem é o melhor produto para mercantilização. As grandes mídias, com o advento de novas tecnologias como a fotografia, o rádio, o cinema e a televisão, preferem mercadorias mais flexíveis e palatáveis ao gosto de públicos massificados. O lado bom desse processo foi situar o escritor na planície comum da humanidade, onde aliás sempre esteve e onde o êxito depende da elevada taxa de suor necessária para as grandes obras: muito trabalho. Essa mudança de percepção da atividade do artista, do escritor em particular, é o tema do artigo abaixo (MD).

Por Suzana Montoro, publicado originalmente no site Capitu.   




      Livros sobre escritores sempre estiveram na moda. Paralelo às biografias, editoras têm investido na publicação e reedição de volumes que tratam da correspondência entre autores, sejam eles amigos, sejam apenas conhecidos ou tenham estabelecido entre si um relacionamento epistolar de mestre e discípulo. Este gênero de literatura, digamos assim, é de grande valia para os estudos literários e levam a um entendimento mais aprofundado da obra já que elucidam o momento histórico e cultural do escritor, bem como os aspectos relacionados a circunstâncias de vida pessoal. São livros que situam o autor e sua obra. Mas além dos estudiosos, estes livros agradam também a uma outra parcela de leitores, os curiosos que, estimulados pela mídia, deliciam-se com a vida pessoal do escritor e suas idiossincrasias.
       O escritor é uma pessoa como outra qualquer e o livro, o fruto de seu trabalho. Simples assim. E deveria bastar. No entanto, não é o que ocorre. Quando aparece, passa a ser cultuado como avis rara. Nas entrevistas da imprensa existe a preocupação em buscar fatos prodigiosos ou passagens desconcertantes de sua biografia, numa tentativa de torná-lo atraente aos olhos do grande público ou de diferenciá-lo a qualquer custo. E quanto mais extravagante, melhor.
      Não há entrevista sem a indefectível questão: por que você escreve? Nunca se pergunta a um engenheiro por que ele constrói pontes, a uma nadadora por que ela nada ou a um médico por que opera. Porque gosta deveria ser a resposta primeira. Ou porque é o que sabe fazer, porque a vida lhe deu essa oportunidade, porque o pai ou a mãe tinham a mesma
ocupação, enfim, as respostas são diversas e a maioria delas, óbvias. Mas o escritor, no mais das vezes, procura por uma resposta original e de alguma maneira reveladora. Poucos respondem simplesmente que escrevem porque gostam (e gosto não se discute). E ainda por cima, quando podem, condenam a profissão como se fosse um desígnio divino do qual não conseguem escapar e que lhe traz noites insones, dias de aflição, perseguição de personagens e loucuras afins. Queixam-se e dizem-se inevitavelmente atados a esse destino nefasto, por assim dizer.
      Claro que há escritores e escritores. Falo de maneira generalizada e até mesmo padronizada. Não são todos os que se entregam aos mandos e desmandos da mídia. Há também aqueles que se esquivam o quanto podem. Será esta uma forma de fugir desse estereótipo ou, paradoxalmente, de cultuá-lo? Já que também estes recebem a instigante pecha de esquisitos. Pois parece haver uma crença difundida e generalizada de que escritores são esquisitos (até mesmo Chico Buarque teria afirmado isto!). Por que? Por que ele inventa histórias e faz parecer que são verdadeiras? Por que cria solitário um mundo paralelo que seus leitores irão habitar?

      Escrever é profissão, é ganha-pão (pelo menos, deveria ser). Nem mais nobre nem mais reles do que qualquer outra. Talvez mais divertida, isso sim. E certamente mais solitária que a maioria. Mas um ofício como outro qualquer. Com seus ossos e deleites. Seu glamour e seus entraves. Embora a mídia insista em fazer do escritor um personagem atraente e de alguma maneira alheio à uniformidade e ao fastio. Será este apenas um recurso mercadológico? O fato é que o escritor passa a ser, em alguns casos, mais importante do que seus textos. Não que ele não seja. É claro que é, afinal, é o pai da criança. Mas o que ele vende é o texto, não a sua imagem. O objeto de consumo é o livro e não o escritor. Livros falam por si. Ou, pelo menos, deveriam.
      Ainda que vaidoso, já que gosta de mostrar o que escreve (e quando não mostra, também o é por vaidade) e de certa forma insano, já que pretende viver de literatura num país de tão poucos leitores, o escritor é um cidadão comum. O que há de pujante em sua vida está nos livros que escreve. Caso contrário, tampouco os escreveria.



Um comentário:

  1. Literatura é uma arte e como dizia Nietzsche: "Temos a arte para que a verdade não nos destrua."

    Vivemos em um mundo onde nossa realidade se torna a cada dia mais difícil, pois em um planeta de recursos finitos vivemos como se tudo fosse durar e existir sempre. E ironicamente nossa tecnologia é voltada para necessidades redundantes, infelizmente.

    Enquanto tecnologias que realmente mudariam este cenário nunca saem do papel, pois grandes corporações com interesse em manter seus negócios lucrando "eternamente" em um mundo que esta se esvaindo cada vez mais rápido e fazem de tudo para que estas "porcarias sustentáveis" jamais saiam da gaveta! Eu prefiro a arte que me faz pensar e acreditar em alternativas positivas em um lugar que está mais para uma catástrofe eminente. Escritores, Artistas Plásticos e Músicos são extremamente necessários, pois iluminam caminhos escuros, colorem onde não existe cor.

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