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Pintura de José Garnelo Alda, 1892, para comemorar o IV Centenário do "Descobrimento" da América. |
Estou de passagem por Nova Petrópolis, onde acontece o Festival Internacional do Folclore.
Atrás da plateia, ao lado de dois turistas peninsulares, assisto à apresentação do último grupo da noite. São três índios pataxós vestidos com tangas e penas, têm os corpos pintados e levam nas mãos arco, chocalho e um apito que imita cantos de pássaros da selva. Dançam a toré, vivem próximo do Porto Seguro onde nasceu a Grande Nação...
– Que lindo – diz o espanhol com voz pequena.
Eles dançam para a chuva, para a colheita, fazem sons que aludem ao espírito da floresta, numa coreografia com beleza e ritmo para nos transportar em sonho até a Bahia, até o terreiro de sua tribo. São da aldeia Coroa Vermelha.
– Que beleza – diz o portuga.
Mas sinto tristeza. Na serra gaúcha, nos jardins germânicos da imigração, estão fora de casa. Fosse outra a história, eu ficaria feliz com a apresentação. Atrás dos índios, a faixa com o tema do evento, “A Diversidade é o que nos une”, sugere a legenda de uma ironia trágica.
Olho para os turistas ibéricos e, inspirado em Picasso, quando respondeu ao militar alemão sobre a autoria de Guernica, disparo:
– É obra de vocês... essa apresentação... a força da diversidade... É um acerto de contas com a história!
Eles olham para mim como se para um louco.
– Que passa? – diz o espanhol franzindo a testa, agora num tom bastante audível.
– Se vocês não tivessem exterminado 30 milhões de índios, não tivessem feito o Holocausto antes dos alemães, eles agora estariam dançando, mas na tribo deles.
– Ora, não amoles! – diz o portuga saindo de fininho.
O espanhol vai atrás:
– Que tipo, hein! Cabrón!
Eu digo às costas deles:
– Holocausto, sim. Dos avós de vocês... Genocídio!
Cristo!... Salve a aldeia Coroa Vermelha!...