domingo, 14 de julho de 2013

Uma coisa em comum





     Quando pensamos em cultura hegemônica, sem levar em conta as relações de poder e o lugar que cada um ocupa dentro da sociedade dominada por ela, aceitamos facilmente a ideia de sub-culturas e toda carga de diferenças que as fazem parecer manifestações exóticas. Nesse quadro, quando buscamos a solução para antagonismos de hábitos e costumes, de classe, cor e sexo, de partido, religião ou estético, etc., logo resvalamos para conceitos gerais e abstratos como bem comum, interesse da maioria, conciliar os opostos... Pois as soluções, via de regra nesses casos, partem sempre desse cimento universal chamado de cultura hegemônica, em especial quando as respostas vêm das instituições e dos governos, públicos ou privados. É no seu âmago onde encontramos os remédios de aplicação maciça (que pioram ainda mais a saúde do paciente). 
      Assim nos ensinaram.


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       Isso lembra a briga entre o Bêbado e o Equilibrista. Quando este último finalmente cravou seu punhal no coração do outro, o fez com um comentário verdadeiro, sim!, e bastante perspicaz:
      - Era isso! Você é que não queria entender: que temos coisas bem em comum... Agora temos algo profundamente em comum.
      De fato, enquanto o Equilibrista segurava com firmeza e ainda com alguma pressão o punho da arma, e a ponta permanecia cravada no coração do seu inimigo, o Bêbado não tinha argumento forte o suficiente para contradizer essa verdade. 
      O ferro os unia, tinham mesmo uma coisa bem em comum, quente e afiada... 
      A única diferença, concluía o Bêbado no âmago de sua impotência, era o lado em que cada um estava. Mas ele não tinha mais meios para resolver esse último antagonismo.