domingo, 27 de outubro de 2013

Carta pública em defesa dos direitos do Povo Guarani

Confira a íntegra da carta dos antropólogos 
publicada originalmente no Adital, em 25/10/2013:


Foto: Carlos Penteado              


Nós, estudiosos do povo Guarani e outros pesquisadores, especialistas e professores, reunidos em São Paulo/SP entre os dias 16 e 18 de outubro, durante o Simpósio CEstA nas Redes Guarani, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, vimos a público nos manifestar a respeito do grave contexto de ataque aos direitos indígenas que está hoje em curso, e em cujo epicentro encontra-se o impasse relacionado ao não reconhecimento dos direitos territoriais do povo Guarani.

Com suas aldeias distribuídas em um vasto território, que abrange as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e também algumas localidades na região norte do Brasil, os Guarani constituem hoje o maior povo indígena no país, com cerca de sessenta e cinco mil pessoas. Entretanto, por ocuparem regiões com antigo histórico de colonização, e de grande interesse para exploração econômica, têm hoje apenas uma fração insignificante e fragmentada de seu território reconhecida pelo poder público. A falta de terras é causa fundamental do quadro de marginalização a que foram submetidos em todas essas regiões, onde sofrem com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de direitos fundamentais de cidadania.

A história mostra como a mão de obra de milhares de Guarani foi utilizada para a construção do país, deixando contribuições que hoje consideramos como elementos fundantes da cultura brasileira. Hoje, como ao longo dos últimos cinco séculos, grupos oligárquicos se esforçam em negar aos Guarani os seus direitos territoriais, com intuito de perpetuar as injustiças acumuladas ao longo de todo o processo de colonização do Brasil, evitando a construção de uma sociedade justa e solidária, que respeite seus Povos Indígenas.

Enquanto os ruralistas desenvolvem uma campanha para convencer a população brasileira de que são ameaçados pelas demarcações de Terras Indígenas, o país segue com um dos mais altos índices de concentração fundiária do mundo, cenário que se reverte no acúmulo de poder nas mãos de oligarquias agrárias e nas grandes desigualdades que assolam a sociedade nacional.

Como pesquisadores que atuamos junto a algumas das mais respeitadas universidades brasileiras, temos a percepção clara de que os ataques aos direitos indígenas ora em curso são uma ameaça para toda a sociedade, pois respondem aos interesses de um grupo minoritário que busca apropriar-se privadamente das riquezas nacionais para seu próprio enriquecimento, e tornam nosso país palco dos mais graves desrespeitos aos direitos à vida, à dignidade, à diferença, envergonhando-nos a todos.

O drama humanitário pelo qual atravessam as comunidades nas quais realizamos nossas pesquisas não é tolerável em um Estado Democrático de Direito, e não cessará enquanto o poder público se recusar a enfrentá-lo com a seriedade e respeito que requer, preterindo a sua solução em proveito de interesses eleitorais. Nesse sentido, chamamos a todos os brasileiros para que nos empenhemos junto ao povo guarani e aos demais povos indígenas na defesa de seus direitos, para a construção de uma sociedade igualitária, multicultural e pluriétnica.

Dominique Tilkin Gallois – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Valéria Macedo – Professora-doutora em Antropologia Social na UNIFESP
Beatriz Perrone Moisés – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Marta Rosa Amoroso – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Sylvia Caiuby Novaes – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Renato Sztutman – Professor-doutor em Antropologia Social na USP
Fábio Mura – Professor-doutor em Antropologia Social na UFPB
Levi Marques Pereira – Professor-doutor em Antropologia Social na UFGD
Elizabeth Pissolato – Professora-doutora em Antropologia Social na UFJF.
Donatella Schmidt – Professora em Antropologia Social na Università degli Studi di Padova.
Marina Vanzolini – Professora-doutora em Antropologia Social na USP
Vanessa Lea – Professora-doutora em Antropologia Social na UNICAMP
Maria Inês Ladeira – Centro de Trabalho Indigenista, Mestre em Antropologia (PUCSP) e Doutora em Geografia Social (USP)
Daniel Calazans Pierri – Centro de Trabalho Indigenista, Mestre em Antropologia Social (USP)
Fabio Nogueira da Silva – Mestre e Doutorando em Antropologia Social pela USP
Spensy Pimentel – Doutor em Antropologia Social – USP
Diogo Oliveira – FUNAI – Doutorando em Antropologia Social – UFSC
Rafael Fernandes Mendes Júnior – Mestre e Doutorando em Antropologia Social pela USP
Lígia R. Almeida – Mestranda em Antropologia Social – USP
Amanda Danaga – Doutoranda em Antropologia Social -UFSCar)
Camila Mainardi – Doutoranda em Antropologia Social – USP
Adriana Testa – Doutoranda em Antropologia Social – USP
Alice Haibara – Mestranda em Antropologia Social – USP
Ana María Ramo y Affonso – Mestranda em Antropologia Social -UFF
Tatiane Klein – Mestranda em Antropologia Social – USP
Marcos dos Santos Tupã – liderança guarani e Coordenador Tenondé da Comissão Yvyrupa
Giselda Pires de Lima Jera – professora e liderança guarani
Algemiro da Silva Karai Mirim – professor e liderança guarani
Ariel Ortega – liderança e cineasta guarani
Carlos Papa Mirï Poty – liderança e cineasta guarani
Prof. Dr. Stelio Marras – Professor Doutor em Antropologia Social no IEB-USP
Aline Aranha – FFLCH-USP/ CEstA-USP
Jefferson dos Santos Ferreira – FFLCH-USP/ CEstA-USP
João Pedro Turri – ECA-USP/ CEstA-USP
André L. Lopes Neves – PPGAS/USP – CEstA-USP
Jan Eckart – PPGAS/ UFSCar
Guilherme Meneses – PPGAS-USP
Diógenes E. Cariaga – FUNAI
Lucas Keese dos Santos – Centro de Trabalho Indigenista, Mestrando em Antropologia Social – USP

2 comentários:

  1. Nesta data, 01/11/2013, o Conselho Aty Guasu informou que há uma concentração de fazendeiros e ruralistas sobre a ponte do rio entre Iguatemi e Japorã/MS, área recentemente retomada, sob o nome de Tekoha Yvy Katu. Isso dois dias após o filho caçula do cacique Marcos Veron (já assassinado) ser encontrado morto dentro de casa.
    A pressão nunca alivia, só piora.

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    1. Que tristeza, Lucimara! Só a ganância explica essas ações patológicas de quem tem muito e ainda quer mais, sem perceber o mal que estão praticando contra os outros. O mais doloroso disso é que contam com o apoio da grande imprensa e do governo que trabalham para um Estado capitalista, sempre de costas para a população. Mas a retomada de Tekoha Yvy Katu é um sinal de esperança nessa luta. Obrigado por sua visita ao blogue, isso nos dá ânimo para continuar denunciando esse barbarismo contra as comunidades tradicionais. Volte sempre.

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